segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

The Straight Story de David Lynch


 

Título em português: Uma História Simples

Realizador: David Lynch

Ano: 1999

País: Estados Unidos

Argumento: John E. Roach e Mary Sweeney

Fotografia: Freddie Francis

Elenco principal: Richard Farnsworth, Sissy Spacek, Harry Dean Staton

Duração: 1 hora e 52 minutos

 

 “The Straight Story” é um caso único na filmografia de David Lynch. Com roteiro de Mary Sweeney e John Roach, é o único d[as] s[uas] longas-metragens que, para além de reproduzir uma história real, se atém estritamente a uma premissa realista, levando-a ao cabo da sentimentalidade implicada na trajetória de sua personagem principal.

(…)

O que o filme narra é a viagem de [Straight] Alvin, que, após receber a notícia do infarto de seu irmão, deve atravessar o estado do Iowa e chegar até a casa deste no Mississipi, para reencontrá-lo após dez anos de inimizade. A narrativa desta travessia, por si mesma, é acrescida de certa caráter épico de tons absurdos conforme a cegueira de Alvin não o permite dirigir um carro comum, implicando por sua própria decisão em percorrer todo o caminho a bordo de um cortador de grama dirigível. Sua viagem levará semanas, oportunidade para que Alvin, aos 73 anos e em fraca saúde, repasse os eventos mais significativos de sua vida e tenha, possivelmente, a sua última grande aventura.

(…)

O trajeto de Alvin é frequentemente representado da mesma forma, com o seu pequeno veículo percorrendo o acostamento, enquanto atravessa paisagens rurais e é ultrapassado por automóveis em alta velocidade. Sempre a mesma cena e sempre o mesmo distúrbio que marca a lentidão de Alvin e a velocidade de todos os outros passageiros, em uma série de pequenas vinhetas, esquetes cômicas que pontuam pouco a pouco a sua viagem. Primeiro, é um caminhão que levanta um vento forte que leva embora o seu chapéu; depois, é um carro que passa buzinando; mais tarde, uma mulher que atropela um veado logo a sua frente; ainda, ao final, a surpresa e o maravilhamento de Alvin frente a uma quantidade enorme de ciclistas que passam por ele, sem que possa acompanhar cada um com os olhos.

Nos encontros que tem ao longo dessa trajetória e nos diálogos que estabelece com as poucas pessoas com quem se comunica é que se nota o caráter mais propriamente folclórico dessa narrativa. Pois Alvin, sempre contido, se mostra um sujeito de sabedoria frente a quem quer que fale, uma sabedoria popular, de experiência, ao que se soma a camaradagem sua e daqueles que encontra pelo caminho. Nestes momentos, não é raro pensar em certo lirismo, associado a noções presentes em Robert Frost e na poesia americana de tradição mais popular, que trata do respeito entre os homens e a consideração da vida na natureza (…).

Em grande medida, “The Straight Story” possui um caráter “contemplativo”, explorado sistematicamente por momentos que descrevem a lentidão de sua travessia, que fazem passar o tempo através de imagens aéreas das paisagens que percorre, do nascer e do pôr do sol, do trabalho no campo e outras visões pitorescas. Em outros filmes, este sentimento “poético” associado à natureza poderia se apresentar como um dado decorativo, em uma associação banal entre a natureza e um caráter transcendente. Mas Lynch não filma estes planos estaticamente, não faz com que o filme simplesmente se detenha a exibir a “beleza” de qualquer paisagem particular. Ao contrário, dota sempre estas imagens de um movimento e de um caráter reiterativo, explicitado pela música-tema que as acompanha repetidamente, como um refrão ao longo do filme.

Não há um sentido de transcendência na natureza apresentada; há uma contemplação, pode-se dizer, mas que está associada ao trabalho e a paisagem onde estas figuras habitam, nunca como um refúgio ou qualquer ideal idílico. É sua realidade mais imediata que se aponta e, neste sentido, Alvin não está a caminho de descobrir a si mesmo, de encontrar fatos novos, mas de acertar as contas com o seu passado, seja com os fatos vividos ao longo da Segunda Guerra, seja mais imediatamente com o irmão querido de quem se afastou. Mesmo que sua viagem tenha um objetivo bem definido, rumo ao destino apontado a princípio, ela é constantemente acompanhada da incerteza deste encontro, bem como das reflexões que o levaram até ali, em um momento tardio da vida.

Neste sentido, este é um filme que trata de maneira singela os fatos prosaicos, dotando os elementos mais realistas de uma significação poética discreta e sutil, mas profunda. Pois, justamente, Alvin Straight é uma personagem sólida, que possui uma dureza intrínseca (…).

O título original “The Straight Story” (traduzido em português como “Uma história [simples]”) é adequado para tanto: não se refere simplesmente à “história de Alvin Straight”, mas à “história direta”, à narrativa sem os desvios e distorções característicos de David Lynch. (…) Atuando como um eficiente realizador, Lynch se entrega de maneira mais comprometida ao realismo do que em qualquer caso de sua filmografia, narrando uma história no qual os seus traços de autoria se imprimem somente de modo secundário – autoria que aqui deveria ser atribuída a Mary Sweeney, por quem o filme fora concebido, roteirizado, produzido e editado.

(…)

 [Quando, por fim, encontra o irmão], ambos se sentam na varanda e o irmão, observando o moedor de grama em seu jardim, pergunta a Alvin: “Você veio até aqui com isso?”, ao que o outro confirma. A seguir, é apenas o olhar e a sua consideração a propósito desta travessia o que mais profundamente comunica o sentimento deste reencontro. Ambos permanecem sentados lado a lado, enquanto a câmera se perde por entre os dois e tudo acaba. Depois das outras conversas, nenhuma outra palavra poderia comportar a importância deste momento; nenhuma informação a mais é dada a propósito desse irmão ou da relação entre os dois, assim como nada mais é dito. É tão significativa a sua trajetória que este encontro final se torna, por sua vez, “pequeno” frente ao que lhe precedeu: é um clímax dramático, é claro, e é o clímax desejável, pois ele também mostra a grandiosidade do caminho para chegar até ali. Este silêncio faz ver, de maneira mais profunda, qual é também o feito alcançado por este filme, pois a falta de necessidade de palavras mostra o quanto a construção que levou ao encontro destas duas personagens é ainda mais importante do que este encontro em si, sendo este apenas o desfecho de algo muito maior, transposto com uma humildade desconcertante, fato que talvez mais surpreenda em todo este filme.

(…)

Matheus Zenom

Limite

Revista de ensaios e crítica de arte

 

 

Citizen Kane de Orson Welles


 


Título em português: O Mundo A Seus Pés

Realizador: Orson Welles

Ano: 1941

País: Estados Unidos

Argumentista: Herman J. Mankiewicz e Orson Welles

Fotografia: Gregg Toland

Elenco principal: Orson Welles, Joseph Cotten, Dorothy Comingore, Agnes Moorehead, Ruth Warrick, Ray Collins

Duração: 1 hora e 59 minutos

 

“[ Citizen Kane]” é mesmo uma das mais importantes e criativas histórias do grande ecrã alguma vez feitas e produzidas até aos dias de hoje. Ao destruir por completo a forma como os grandes filmes de estúdio eram produzidos na altura, o realizador, co-argumentista e também actor principal, Orson Welles, a par do diretor de fotografia, Gregg Toland, reinventou o processo de realização e produção de um filme. Para além disso, Welles demonstrou como é que um autor podia deixar a sua marca pessoal num projecto cinematográfico.

(…)”Citizen Kane” é uma enciclopédia de técnicas: uma escola de cinema de 119 minutos, que fornece várias lições sobre a profundidade de campo, close-ups extremos, diálogos sobrepostos, a estrutura de flashbacks e alguns ângulos de câmara surpreendentes.

(…)Para diretor de fotografia, [Orson Welles]contratou Gregg Toland, pioneiro naquilo que se tornou num dos pontos fortes de “Citizen Kane”: a técnica da profundidade de campo, que mantém todos os objectos, tanto os da frente como os de trás do plano de foco, com o mesmo foco simultâneo. Isto deu uma maior sensação de profundidade ao mundo de duas dimensões dos filmes.

(…)Uma das coisas que ajuda mais a cimentar o papel de “Citizen Kane como um dos melhores filmes de todos os tempos é a forma como este apela, de forma natural, a múltiplas visualizações. De facto, há muitos poucos filmes que geram esta necessidade tão brilhantemente no espectador, dado que, sempre que o revisitamos, a obra-prima de Welles é uma caixinha de surpresas, revelando sempre novos detalhes, outrora escondidos. 

Diogo Silva no Blog “Espalha Factos”

 


Das Kabinett Des Doktor Caligari de Robert Wiene

 

Título em português: O Gabinete do Dr. Caligari   

Realizador: Robert Wiene

Ano: 1920

País: Alemanha

Argumentista: Hans Janowitz e Carl Mayer

Fotografia: Willy Hameister

Elenco principal: Werner Krauss, Conrad Veidt, Friedrich Féher, Lil Dagover

Duração: 1 hora e 12 minutos

Sendo hoje visto como um dos filmes que marcaram o chamado cinema expressionista alemão, “O Gabinete do Dr. Caligari” contém todo um conjunto de “ferramentas” visuais que fariam escola e marcariam um período. A opção de filmar num cenário pintado (obra dos pintores Walter Reimann e Walter Röhrig) confere desde logo ao filme uma atmosfera irreal e abstracta, como que saída de um sonho. Como seria típico, não só os cenários são telas bidimensionais, como todas as imagens são fortemente estilizadas, com perspectivas distorcidas, e predominante uso de linhas rectas, oblíquas e agressivas. O uso da luz e sombras, tão típico do expressionismo, funciona no filme como protagonista, dirigindo-nos o olhar, destacando pormenores nos planos, o que se evidencia ainda mais com o repetido uso do fecho da imagem em torno de um rosto.

Também típico do expressionismo é o uso da profundidade de campo, com planos que funcionam sobretudo em profundidade e não em largura, que aliado às oblíquas cenas de telhados, caminhos e pontes florestais, resulta num ambiente surreal e no adensar da ameaça do desconhecido sobre o espectador, como talvez nunca tenha sido tão bem conseguido depois disso.

A completar, destacam-se as interpretações, exageradas, é certo, mas por isso mesmo enigmáticas e perturbadoras, com realce para Werner Krauss, o misterioso e cruel médico louco, Doutor Caligari, e claro, Conrad Veidt, que confere ao seu Cesare, com os seus movimentos pouco naturais, uma qualidade irreal.

(…)

Lidando com temas como a demência, o controlo mental e a obsessão pelo poder (temas recorrentes nos filmes expressionistas), o filme é por vezes visto como uma alegoria sobre a situação política e social da Alemanha do pós-guerra.

Mas mais que as suas preocupações sociais, foi a sua influência estética que perdurou, e “O Gabinete do Dr. Caligari” é hoje citado como forte influência sobre os filmes de terror, o “film noir” americano dos anos quarenta, e muitos realizadores modernos, de Tim Burton a Terry Gilliam, para citar apenas dois.

 

JC no blog “A Janela Encantada”

The Crying Game de Neil Jordan

 


Título em Portugal: Jogo de Lágrimas

Realizador: Neil Jordan

Ano: 1992

País: Irlanda

Argumentista: Neil Jordan

Fotografia: Ian Wilson

Elenco principal: Stephen Rea, Miranda Richardson, Forest Whitaker, Jaye Davidson

Duração: 1 hora e 51 minutos

Amplamente comentado por público e crítica na época de seu lançamento, este filme de Neil Jordan trata de questões políticas delicadas acerca de eventos envolvendo o Exército Republicano Irlandês (IRA) e o sequestro de soldados ingleses. Aparentemente.

 Com uma premissa política por si só causadora de polémica, Neil Jordan não se contenta em abordar apenas uma análise sobre a xenofobia, e insere na trama o tema do homossexualismo, abrindo espaço para um aprofundamento nas discussões sobre intolerância.

A polémica do filme deu-se através do actor Jaye Davidson. Até a metade da história, o que imaginamos ser uma narrativa política transforma-se num drama delicado sobre relações humanas e aceitação. 

Leo Tavares

 


Le Doulos de Jean-Pierre Melville


 

Título em Portugal: O Denunciante

Realizador: Jean-Pierre Melville

Ano: 1962

País: França

Argumentista: Jean-Pierre Melville

            segundo o romance “Le Doulos” de Pierre Lesou

Fotografia: Nicolas Hayer

Elenco principal: Serge Reggiani, Jean-Paul Belmondo, Michel Piccoli, Jean Desailly, Fabienne Dali, Monique Hennessy

Duração: 1 hora e 44 minutos

Melville, "o mais americano dos cineastas franceses", foi um mestre absoluto do filme sobre criminosos, com personagens lacónicos, cujos gestos têm algo de ritualizado. Nestes filmes, autênticas tragédias modernas, estamos num mundo gelado, racional, quase exclusivamente masculino, em que a amizade e a traição têm um papel central. É exactamente o caso de "Le Doulos", que é ao mesmo tempo um típico filme policial, com cenas de acção filmadas com alta virtuosidade, e a história de uma amizade traída, em que todos são perdedores. A epígrafe que Melville poria na sua obra-prima de 1967, "Le Samourai", também poderia servir a este filme: "Não há maior solidão do que a do tigre na selva".

Cinemateca Portuguesa

How Green Was My Valley de John Ford


 

Título em Portugal: O Vale Era Verde

Realizador: John Ford

Ano: 1941

País: Estados Unidos

Argumentista: Philip Dunne

            segundo o romance “How Green Was My Valley” de Richard Llewellyn

Fotografia: Arthur C. Miller

Elenco principal: Walter Pidgeon, Maureen O’Hara, Donald Crisp, Roddy McDowall, Sara Allgood

Duração: 1 hora e 58 m

O filme com que John Ford ganhou o Oscar em 1942 é um estudo muito comovente das tensões, mudanças e heroicidade de uma família galesa de mineiros do carvão, no momento de passagem do séc. XIX para o sombrio século XX. Como em todo o melhor cinema fordiano, embora tudo mude e a maioria das coisas morra ou desapareça, o que fica na memória e no espírito triunfa – e o que aparentemente parece ser um filme terno e triste torna-se numa obra jubilosa e forte. As supletivas interpretações de Donald Crisp, Walter Pidgeon, Maureen O'Hara e de uma série de atores coadjuvantes perfeita tornam este filme uma experiência cinematográfica magnífica.

Don Druker, Chicago Reader

Stalker de Andreï Tarkovski


 Título: Сталкер

Título em Portugal: Stalker

Realizador: Andreï  Tarkovski

Ano: 1979

País: União Soviética

Argumentistas: Arkady e Boris Strugatsky

            segundo o seu romance “Пикник на обочине” (intitulado “Stalker” em português e editado pela Ed. Caminho, em 1985, com tradução de Filipe Jarro)

Fotografia: Aleksandr Kniajinsky

Elenco principal: Alexandre Kaïdanovski, Alissa Freindlich, Anatoli Solenitsyne, Nikolaï Grinko, Natacha Abramova

Duração: 2 horas e 43 minutos

É um filme fascinante e insólito, uma longa e introspectiva viagem pela alma, que assenta numa fabulosa construção cénica, numa rigorosa mise en scène e num deslumbrante trabalho de imagem, para acompanhar a odisseia de três homens num universo misterioso, hostil e devastado. Um mundo simultaneamente irreconhecível e familiar, onde os seres humanos são obrigados a revelar-se, a confessar-se e a projectar-se espiritualmente. Uma obra complexa, entre a alegoria política e a fantasia pessoal.

RTP

domingo, 28 de janeiro de 2024

Sabrina de Billy Wilder

 


Título em Portugal: Sabrina

Realizador: Billy Wilder

Ano: 1954

País: Estados Unidos

Argumentistas: Samuel A. Taylor, Ernest Lehman e Billy Wilder

            segundo a peça de teatro “Sabrina Fair” de Samuel A. Taylor

Fotografia: Charles Lang Jr.

Elenco principal: Audrey Hepburn, Humphrey Bogart, William Holden, Walter Hampden, John Williams, Martha Hyer

Duração: 1 hora e 53 minutos

É uma das mais conhecidas realizações de Billy Wilder e também uma das suas mais brilhantes comédias. Partindo da adaptação de uma peça teatral de Samuel Taylor, ”Sabrina” é uma fábula moderna construída sobre a história da Cinderela que Billy Wilder subverte e baralha, com a sua fabulosa mestria, o seu fascinante cinismo e o seu irresistível sentido de humor. Um retrato mordaz da alta sociedade americana, capaz de aceitar a filha do motorista como igual se, como é o caso, se tratar de uma mulher tão bela, sedutora e sofisticada que ninguém seja capaz de perceber que cresceu no anexo por cima da garagem da mansão. Uma inteligente e irónica história de amor, cujo principal trunfo reside num admirável trio de intérpretes que só Wilder seria capaz de cruzar de forma tão surpreendente: Humphrey Bogart, Audrey Hepburn e William Holden.

RTP (adaptado)

 


Shoah de Claude Lanzmann

 


Título em Portugal: Shoah

Realizador: Claude Lanzmann

Ano: 1985

País: França

Documentário

Fotografia: Dominique Chapuis, Jimmy Glasberg e William Lubtchansky

Participantes principais: Abraham Bomba,  Paula Biren, Itzhak Dugin, Ruth Elias, Richard Glazar, Franz Glassler, Filip Müller, Josef Oberhauser, Mordechaï Podchlebnik, Franz Suchomel, Simon Srebnik, Rudolf Vrba e Itzhak Zuckermann

Duração: 9 horas e 30 minutos

 

O foco principal de "Shoah" são as histórias dos sobreviventes do Holocausto, perpetradores e testemunhas. Em vez de recolher depoimentos das testemunhas de uma forma tradicional, Claude Lanzmann realiza entrevistas muito longas e detalhadas com os intervenientes, tais como os elementos das SS Franz Suchomel e Franz Schalling, cuja filmagem foi feita em segredo.
As entrevistas aos sobreviventes incluem, por exemplo, Simon Srebnik, um sobrevivente do campo de extermínio de Chelmno, Abraham Bomba, um barbeiro que cortava o cabelo às mulheres antes de estas entrarem nas câmaras de gás de Treblinka, e Rudolph Vrba que conseguiu fugir de Auschwitz.

RTP

 


Tabu de F. W. Murnau

Título em Portugal: Tabu Realizador: F. W. Murnau Ano: 1931 País: Estados Unidos Argumentista: F. W. Murnau e Robert J. Flaherty Fotografia...