Título em
Portugal: Consciências Mortas
Realizador: William A. Wellman
Ano: 1943
País:
Estados Unidos
Argumentista:
Lamar Trotti
segundo o romance homónimo de Walter Van Tilburg Clark
(traduzido para português por Ana Maria Lopes e editado pelas Publicações
Europa-América com o título “Incidente em Ox-Bow”)
Fotografia:
Arthur C. Miller
Elenco
principal: Henry Fonda, Dana Andrews, Harry Morgan, Frank Conroy, Harry
Davenport, Anthony Quinn
Duração: 1
hora e 15 minutos
É
quase inacreditável que um filme tão curto como “Consciências Mortas” consiga trabalhar de maneira tão
lúcida, madura e com uma dose certa de emoção uma série questões morais importantes
não só dentro do universo do western, mas também dentro de toda a
organização social que se dispõe a fazer e a falar sobre justiça, independente
dos meios utilizados para tal.
O
guião do filme é baseado em “The
Ox-Bow Incident” (1940), romance de estreia de Walter Van
Tilburg Clark, e foi escrito de forma objectiva por Lamar Trotti, guionista que
já havia passado por westerns como “Ouvem-se
Tambores Ao Longe” (1939) de John Ford e “Brigham Young” (1940)
de Henry Hathaway. A sua abordagem em “Consciências Mortas”, todavia, foge aos parâmetros comuns
do western clássico, não se preocupando com a criação de um herói
nacional, uma acção épica ou o conflito entre colonos e indígenas. O filme é um
libelo de carácter psicológico e extremamente pessimista contra a acção dos que
optam por fazer justiça com as próprias mãos.
Para tornar isto ainda mais contundente, a narrativa
apresenta-nos numa base cíclica, começando com dois homens (Henry Fonda e Harry
Morgan) chegando a uma cidade da qual estiveram afastados por longo tempo. Os
cavalos chegam cansados e não há ninguém à vista. Um cachorro cruza a estrada e
desaparece de um lado da tela. Após os eventos ocorridos durante o filme, exactamente
todas essas coisas voltam a acontecer: os mesmos dois homens partem com seus
cavalos pelo mesmo caminho, não há ninguém à vista e o mesmo cachorro cruza a
tela, no sentido oposto.
A estrutura narrativa e a enxuta composição formal
dos acontecimentos fazem com que esses personagens pareçam ainda mais
reais, como se fossem parte de uma reportagem qualquer, o relato comum de uma
tragédia observada por dois forasteiros – tanto os protagonistas como nós,
espectadores – que ao chegarem a um lugar onde já estiveram antes, se deparam
com uma situação de caça ao homem, onde a vontade de justiça é a última coisa a
ter em consideração. Junte-se a isto um fio ténue de informação, atitudes
precipitadas e interesses ou fetiches pessoais ocultos e então teremos o
cenário sociológico e até psicológico que dá o tom ao filme.
É
impossível não fazer uma leitura social de “Consciências Mortas”. O filme foi assim concebido, mas
permite ir mais além e olhar no fundo da alma do cowboy, do rancheiro, do polícia, do prefeito da cidade e inquiri-los
à distância: o que querem com isto? O que querem encobrir, fingir, sublimar,
esquecer e sentir ao condenarem sem julgamento pessoas que suspeitam ser
culpadas por um crime?
Entrecruzado
como o tema principal, aparecem ainda histórias relevantes, como a complexa
relação entre pai e filho; o papel de Rose (Mary Beth Hughes) em relação ao seu
esposo e ao antigo amante; a amizade entre Gil e Art e a crítica ao sistema
judicial, infestado de contradições, quase sempre lento, quase sempre passível
de ser enganado por circunstâncias atenuantes forjadas e quase sempre
ineficiente. Em “Consciências
Mortas”, William A. Wellman orquestra estas questões com
densidade cada vez maior, partindo da insatisfação e motivos pessoais do
povo de uma cidade para realizar algo que denominam por justiça e, em
contrapartida, naquilo em que o mesmo povo se transforma ao tomar para si o
papel de juiz, júri e executor.
A direcção de Wellman é preciosa. O cineasta arranca
de todo o elenco interpretações notáveis, com destaque para o mexicano
interpretado por Anthony Quinn, os protagonistas Henry Fonda e Harry Morgan, a
tocante actuação do normalmente medíocre Dana Andrews e todo o elenco de apoio é
igualmente elogiável. A opção por cortes rápidos no início e mais lânguidos na
segunda parte do filme também são um grande acerto do director, que, juntamente
com a montagem de Allen McNeil, faz um bom uso do tempo interno e externo da
obra, separando dois momentos na estrutura do enredo (o prólogo e o
epílogo) e executando na perfeição todo o miolo dramático da narrativa.
“Consciências Mortas” envelheceu bem, tanto no conteúdo como no significado.
Desde 1998, o filme consta nos quadros da National Film Registry da Biblioteca do
Congresso (EUA), preservado pela sua significância cultural, história e
estética. E não é para menos. A obra não é somente um impressionante western psicológico, ambientado em
Nevada, no ano de 1885, mas também um convite à reflexão sobre a
responsabilidade que temos diante de nós, quando nos dispomos a julgar alguém
por alguma coisa.
Texto
(adaptado) de Luiz Santiago
Blog
Plano Crítico
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