quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

The Ox-Bow Incident de William A. Wellmann

 


Título em Portugal: Consciências Mortas

Realizador: William A. Wellman

Ano: 1943

País: Estados Unidos

Argumentista: Lamar Trotti

segundo o romance homónimo de Walter Van Tilburg Clark (traduzido para português por Ana Maria Lopes e editado pelas Publicações Europa-América com o título “Incidente em Ox-Bow”)

Fotografia: Arthur C. Miller

Elenco principal: Henry Fonda, Dana Andrews, Harry Morgan, Frank Conroy, Harry Davenport, Anthony Quinn

Duração: 1 hora e 15 minutos

 

É quase inacreditável que um filme tão curto como “Consciências Mortas consiga trabalhar de maneira tão lúcida, madura e com uma dose certa de emoção uma série questões morais importantes não só dentro do universo do western, mas também dentro de toda a organização social que se dispõe a fazer e a falar sobre justiça, independente dos meios utilizados para tal.

 

O guião do filme é baseado em “The Ox-Bow Incident (1940), romance de estreia de Walter Van Tilburg Clark, e foi escrito de forma objectiva por Lamar Trotti, guionista que já havia passado por westerns como “Ouvem-se Tambores Ao Longe” (1939) de John Ford e “Brigham Young” (1940) de Henry Hathaway. A sua abordagem em “Consciências Mortas, todavia, foge aos parâmetros comuns do western clássico, não se preocupando com a criação de um herói nacional, uma acção épica ou o conflito entre colonos e indígenas. O filme é um libelo de carácter psicológico e extremamente pessimista contra a acção dos que optam por fazer justiça com as próprias mãos.

 

Para tornar isto ainda mais contundente, a narrativa apresenta-nos numa base cíclica, começando com dois homens (Henry Fonda e Harry Morgan) chegando a uma cidade da qual estiveram afastados por longo tempo. Os cavalos chegam cansados e não há ninguém à vista. Um cachorro cruza a estrada e desaparece de um lado da tela. Após os eventos ocorridos durante o filme, exactamente todas essas coisas voltam a acontecer: os mesmos dois homens partem com seus cavalos pelo mesmo caminho, não há ninguém à vista e o mesmo cachorro cruza a tela, no sentido oposto.

A estrutura narrativa e a enxuta composição formal dos acontecimentos fazem com que esses personagens pareçam ainda mais reais, como se fossem parte de uma reportagem qualquer, o relato comum de uma tragédia observada por dois forasteiros – tanto os protagonistas como nós, espectadores – que ao chegarem a um lugar onde já estiveram antes, se deparam com uma situação de caça ao homem, onde a vontade de justiça é a última coisa a ter em consideração. Junte-se a isto um fio ténue de informação, atitudes precipitadas e interesses ou fetiches pessoais ocultos e então teremos o cenário sociológico e até psicológico que dá o tom ao filme.

É impossível não fazer uma leitura social de “Consciências Mortas. O filme foi assim concebido, mas permite ir mais além e olhar no fundo da alma do cowboy, do rancheiro, do polícia, do prefeito da cidade e inquiri-los à distância: o que querem com isto? O que querem encobrir, fingir, sublimar, esquecer e sentir ao condenarem sem julgamento pessoas que suspeitam ser culpadas por um crime?

 

Entrecruzado como o tema principal, aparecem ainda histórias relevantes, como a complexa relação entre pai e filho; o papel de Rose (Mary Beth Hughes) em relação ao seu esposo e ao antigo amante; a amizade entre Gil e Art e a crítica ao sistema judicial, infestado de contradições, quase sempre lento, quase sempre passível de ser enganado por circunstâncias atenuantes forjadas e quase sempre ineficiente. Em “Consciências Mortas”, William A. Wellman orquestra estas questões com densidade cada vez maior, partindo da insatisfação e motivos pessoais do povo de uma cidade para realizar algo que denominam por justiça e, em contrapartida, naquilo em que o mesmo povo se transforma ao tomar para si o papel de juiz, júri e executor.

 

A direcção de Wellman é preciosa. O cineasta arranca de todo o elenco interpretações notáveis, com destaque para o mexicano interpretado por Anthony Quinn, os protagonistas Henry Fonda e Harry Morgan, a tocante actuação do normalmente medíocre Dana Andrews e todo o elenco de apoio é igualmente elogiável. A opção por cortes rápidos no início e mais lânguidos na segunda parte do filme também são um grande acerto do director, que, juntamente com a montagem de Allen McNeil, faz um bom uso do tempo interno e externo da obra, separando dois momentos na estrutura do enredo (o prólogo e o epílogo) e executando na perfeição todo o miolo dramático da narrativa.

“Consciências Mortas” envelheceu bem, tanto no conteúdo como no significado. Desde 1998, o filme consta nos quadros da National Film Registry da Biblioteca do Congresso (EUA), preservado pela sua significância cultural, história e estética. E não é para menos. A obra não é somente um impressionante western psicológico, ambientado em Nevada, no ano de 1885, mas também um convite à reflexão sobre a responsabilidade que temos diante de nós, quando nos dispomos a julgar alguém por alguma coisa.

 

Texto (adaptado) de Luiz Santiago

Blog Plano Crítico

 


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