sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Tchevolek s kinoapparatom de Dziga Vertov

 

Título em português: O Homem da Câmara de Filmar

Realizador: Dziga Vertov

Ano: 1929

País: Rússia

Documentário

Fotografia: Mikhail Kaufman

Duração: 1 hora e 8 minutos

 

Teorizar sobre o género documentário não é algo tão simples quanto pode parecer à primeira vista. Em rigor, temos na memória a imagem de que o documentário é um registo da verdade, uma fonte de informações críticas sobre alguém ou alguma coisa. Nele, temos uma versão impessoal e distanciada dos factos, o que nos permite construir, livres de indícios alheios, a nossa própria visão e opinião a respeito do que vimos, certo? Errado.

De todos os géneros, o documentário é certamente o mais perigoso, porque carrega a bandeira da “verdade” consigo. (…). Esse perigo de “filme revelador” ainda ilude muito espectador ingénuo ou que desconhece certos princípios básicos do cinema, como a produção e a montagem, duas coisas que influenciam sobremaneira em qualquer obra cinematográfica.

 

Mesmo que a concepção de um documentário não passasse pelo crivo particular do director e da equipe técnica – afirmação questionável, já que as escolhas dos entrevistados, dos arquivos a serem utilizados e dos locais de filmagem simbolizam um filtro de informações, portanto, é uma escolha, e como tal, algo particular -, a montagem por si só corromperia a ideia de verdade pura, porque construiria uma versão do facto, com direito a simbolismos, metáforas, efeitos dramáticos, ou simplesmente, a escolha do que entraria ou não para o corte final.

  

Partindo desse princípio de que um documentário é uma construção/versão da verdade (podendo haver muitas outras), entenderemos melhor o exercício de Dziga Vertov em “O Homem da Câmara de Filmar. O director russo, teórico do cinema-verdade (kino-pravda), do cinema-olho (kino-glaz), ou do construtivismo cinematográfico, versões de uma sétima arte longe das atracções ficcionais, propôs, através de sua obra inicial, uma visão da realidade quotidiana feita sem interpretação de papéis e fora do palco simbólico, como fazia Sergei Eisenstein, segundo palavras do próprio director.

 

O que geralmente se deixa passar é que, mesmo Vertov não fazendo mudanças estruturais na realidade que filmava, fazia mudanças no modo como o público deveria perceber essa realidade. Mas isso é algo mau? Não! Isso é notável, porque nos ajuda a entender que mesmo a mais bem intencionada proposta de imagem-movimento-verdade é manipulada para dar um sentido específico ao público, obedecendo aos princípios teóricos do realizador da obra.

Nesse exercício de verdade construída na montagem e convite à percepção crítica, Vertov faz um ciclo quase vicioso de imagens, compondo, desconstruindo e recompondo imagens no decorrer do filme. Elementos que vimos nos minutos iniciais voltam aos poucos a aparecer, especialmente ao final, complementando e adicionando mais ingredientes à nossa ideia do que o autor tentava mostrar.

(…)

“O Homem da Câmara de Filmar” é um filme pioneiro. Assim como todo documentário teórico, é uma obra para pensar a concepção da verdade e o seu entendimento através de uma produção imagética analítica, além de discutir teorias sobre manipulação do real e reinterpretar as formas conhecidas de entender o mundo através do cinema (…).

Luiz Santiago

Portal Plano Crítico

 


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