Título em português: O Homem da Câmara de Filmar
Realizador: Dziga Vertov
Ano: 1929
País: Rússia
Documentário
Fotografia: Mikhail Kaufman
Duração: 1 hora e 8 minutos
Teorizar sobre o género documentário
não é algo tão simples quanto pode parecer à primeira vista. Em rigor,
temos na memória a imagem de que o documentário é um registo da verdade, uma
fonte de informações críticas sobre alguém ou alguma coisa. Nele, temos uma
versão impessoal e distanciada dos factos, o que nos permite construir, livres
de indícios alheios, a nossa própria visão e opinião a respeito do que vimos,
certo? Errado.
De todos os géneros, o documentário é certamente o
mais perigoso, porque carrega a bandeira da “verdade” consigo. (…). Esse perigo
de “filme revelador” ainda ilude muito espectador ingénuo ou que desconhece
certos princípios básicos do cinema, como a produção e a montagem, duas coisas
que influenciam sobremaneira em qualquer obra cinematográfica.
Mesmo que a concepção de um documentário não
passasse pelo crivo particular do director e da equipe técnica – afirmação
questionável, já que as escolhas dos entrevistados, dos arquivos a serem
utilizados e dos locais de filmagem simbolizam um filtro de informações,
portanto, é uma escolha, e como tal, algo particular -, a montagem por si só
corromperia a ideia de verdade pura, porque construiria uma versão do facto,
com direito a simbolismos, metáforas, efeitos dramáticos, ou simplesmente, a
escolha do que entraria ou não para o corte final.
Partindo desse princípio de que um documentário é uma
construção/versão da verdade (podendo haver muitas outras), entenderemos melhor
o exercício de Dziga Vertov em “O
Homem da Câmara de Filmar”. O director russo, teórico do cinema-verdade
(kino-pravda), do cinema-olho (kino-glaz), ou do construtivismo
cinematográfico, versões de uma sétima arte longe das atracções ficcionais,
propôs, através de sua obra inicial, uma visão da realidade quotidiana feita
sem interpretação de papéis e fora do palco simbólico, como fazia Sergei
Eisenstein, segundo palavras do próprio director.
O que geralmente se deixa passar é que, mesmo Vertov
não fazendo mudanças estruturais na realidade que filmava, fazia mudanças no
modo como o público deveria perceber essa realidade. Mas isso é algo mau? Não!
Isso é notável, porque nos ajuda a entender que mesmo a mais bem intencionada
proposta de imagem-movimento-verdade é manipulada para dar um sentido
específico ao público, obedecendo aos princípios teóricos do realizador da
obra.
Nesse exercício de verdade construída na montagem e
convite à percepção crítica, Vertov faz um ciclo quase vicioso de imagens,
compondo, desconstruindo e recompondo imagens no decorrer do filme. Elementos
que vimos nos minutos iniciais voltam aos poucos a aparecer, especialmente ao
final, complementando e adicionando mais ingredientes à nossa ideia do que o
autor tentava mostrar.
(…)
“O Homem da Câmara de Filmar” é um filme
pioneiro. Assim como todo documentário teórico, é uma obra para pensar a
concepção da verdade e o seu entendimento através de uma produção imagética
analítica, além de discutir teorias sobre manipulação do real e reinterpretar
as formas conhecidas de entender o mundo através do cinema (…).
Luiz Santiago
Portal Plano Crítico
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