sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

L’ Avventura de Michelangelo Antonioni

 

Título em português: A Aventura

Realizador: Michelangelo Antonioni

Ano: 1960

País: Itália

Argumento: Michelangelo Antonioni, Elio Bartolini e Tonino Guerra

Fotografia: Aldo Scavarda

Elenco principal: Monica Vitti, Gabriele Ferzetti, Lea Massari

Duração: 2 horas e 23 minutos

 

“ O ano de 1961 foi há muito tempo. Quase 50 anos atrás. Mas a sensação de assistir ao filme "A Aventura" pela primeira vez ainda está comigo, como se tivesse sido ontem.

 

Onde foi que o assisti? No Art Theater na Eighth Street? Ou foi no Beekman? Não me lembro, mas recordo-me da energia que correu pelo meu corpo na primeira vez que ouvi o tema musical de abertura - sinistro, staccato, tirado de cordas, tão simples, tão austero, como as trompas que anunciam o próximo tercio durante uma tourada. E, a seguir, o filme. Um cruzeiro no Mediterrâneo, sol brilhante, em imagens em preto e branco diferentes de tudo o que eu já havia visto - compostas com tanta precisão, acentuando e expressando (…) um tipo muito estranho de desconforto. Os personagens eram ricos, bonitos de certa forma, mas, poder-se-ia dizer, espiritualmente feios. Quem eram eles para mim? O que eu seria para eles?

 

Eles chegam a uma ilha. Separam-se, espalham-se, tomam sol, discutem. E, de repente, a mulher interpretada por Lea Massari, que parece ser a heroína, desaparece. Das vidas dos outros personagens, e do próprio filme. (…) Michelangelo Antonioni jamais explicou o que aconteceu com a Anna interpretada por Massari. Ela afogou-se? Despenhou-se de um penhasco? Escapou dos amigos e começou uma vida nova? Jamais descobrimos.

 

Em vez disso, a atenção do filme volta-se para a amiga de Anna, Claudia, interpretada por Monica Vitti, e para o seu namorado Sandro, cujo papel é interpretado por Gabriele Ferzetti. Eles começam a procurar Anna, e o filme parece transformar-se numa espécie de história de detective. Mas logo a nossa atenção é deslocada da mecânica da busca pela câmara e pela forma como esta se movimenta. Nunca se sabe onde ela estará, ou o que seguirá. Da mesma forma, as atenções dos personagens mudam de foco: para a luz, o calor, a sensação de lugar. E, a seguir, passam a concentrar-se uns nos outros.

 

Assim, o filme transforma-se numa história de amor. Mas isso também se dissolve. Antonioni torna-nos conscientes de algo muito estranho e desconfortável, algo que nunca tinha sido visto no cinema. Os seus personagens fluem pela vida, de impulso a impulso, e tudo acaba revelando-se um pretexto: a busca foi um pretexto para estarem juntos, e estar juntos foi um outro tipo de pretexto, algo que moldou as suas vidas e conferiu a estas uma espécie de sentido.

 

Quando mais vejo "A Aventura" - e voltei a assistir ao filme diversas vezes -, mais percebo que a linguagem visual de Antonioni mantinha-nos focados no ritmo do mundo: os ritmos visuais de luz e sombra, de formas arquitectónicas, de pessoas posicionadas como figuras num cenário que sempre parecia assustadoramente vasto. E havia também o tempo do filme, que parecia estar em sincronia com o ritmo temporal, movendo-se vagarosamente, inexoravelmente, permitindo aquilo que depois percebi serem as limitações emocionais dos personagens - a frustração de Sandro, a auto-depreciação de Claudia -, calmamente tomando conta deles e empurrando-os para uma outra "aventura", e depois para uma outra, e uma outra. Assim como o tema da abertura, que mantinha-se oscilando entre o clímax e a dissipação. Clímax e dissipação. Interminavelmente.

 

 

Enquanto todos os outros filmes que eu tinha assistido progrediam para um clima de tensão, "A Aventura" rumava para a calma. Os personagens não tinham nem o desejo nem a capacidade para expressar uma autoconsciência real. Eles só contavam com aquilo que parecia ser uma autoconsciência, encobrindo uma veleidade e uma letargia que eram ao mesmo tempo infantis e muito reais. E na cena final, tão desolada, tão eloquente, uma das passagens mais marcantes do cinema, Antonioni percebeu algo de extraordinário: a dor de simplesmente estar vivo. E o mistério.

 

(…)

 

As pessoas com as quais Antonioni estava lidando, bastante similares àquelas dos romances de F. Scott Fitzgerald (cuja obra, segundo descobri mais tarde, Antonioni apreciava bastante), eram as mais estranhas possíveis no que dizia respeito à minha vida. Mas no final isso pareceu não ter importância. Fiquei hipnotizado por "A Aventura" e pelos filmes subsequentes de Antonioni, e foi o fato de eles não se resolverem em qualquer sentido convencional que me fez voltar tantas vezes a assisti-los. Eles apresentavam mistérios - ou, melhor dizendo, o mistério, a respeito de quem somos, o que somos, uns para os outros, para nós mesmos, para a nossa época. Seria possível dizer que Antonioni estava fitando directamente os mistérios da alma. Foi por isso que sempre retornei à sua obra. Eu queria continuar experimentando essas imagens, vagando por elas. E ainda o faço.

 

Martin Scorsese


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