domingo, 24 de março de 2024

The Life and Death of Colonel Blimp de Michael Powell e Emeric Pressburger

 


Título em Portugal: A Vida do Coronel Blimp

Realizador: Michael Powell e Emeric Pressburger

Ano: 1943

País: Reino Unido

Argumentista: Michael Powell e Emeric Pressburger

Fotografia: Georges Périnal

Elenco principal: Roger Livesey, Deborah Kerr, Anton Walbrook

Duração: 2 horas e 43 minutos

 

Quem é este Blimp que, com esse nome, nunca encontramos neste filme? Antes de mais o coronel Blimp foi uma criação do desenhador David Low, caricatura das fraquezas e da impossibilidade da adaptação às coisas novas que se revelavam em certos meios militares (parece familiar?), que "nasceu" nas páginas do Evening Standard a 20 de Abril de 1934, tendo "desaparecido" temporariamente entre 1942 e 1943, por razões que mais adiante se abordarão. Quem vem a ser então a "Blimpery" (o "Blimpismo")? Qual a sua essência? A melhor definição parece ter sido feita por um deputado trabalhista na Câmara dos Comuns: «It has, no doubt, two main characteristics. In the first place, there is the refusal to entertain new ideas, and in the second place, the determination to keep the bottom dog permanently in his place». Recusa portanto da inovação, refúgio na burocracia e rotina. Na altura em que Powell e Pressburger projectaram o seu filme a questão estava no auge e se o espírito de Blimp estava a ser expurgado do exército (e tinha de o ser para vencer a guerra) subsistia ainda o suficiente para olhar com incompreensão para o argumento. Desde logo, a reacção oficial ao filme foi de que se tratava de "propaganda negativa". E, no entanto, a crítica justificava-se, dados os sucessivos desaires das forças armadas inglesas no ano de 1942, tendo o Ministério da Informação declarado a semana de 16 a 23 de Fevereiro a mais negra desde Dunquerque (entre os desaires teve lugar, a 15, a rendição do general Perceval e 60.000 homens em Singapura). Powell e Pressburger tiveram o cuidado, porém, de deixar bem claro na introdução ao argumento, que o filme era dedicado ao Novo Exército Britânico aquele que, isento do espírito Blimp, se preparava para ripostar, «the men and the women who know what they are fighting for and are fighting this war to win it». De facto isso é evidente mesmo a um olhar superficial sobre “The Life and Death of Colonel Blimp”, cujo título original é, desde logo significativo, com a ênfase na morte (que o título português omite o que não deixará de ter sido curioso). Powell e Pressburger iniciam o seu filme com uma revolta aberta contra o velho espírito. Aquilo era uma guerra total onde o cavalheirismo não tinha lugar, daí que ao «The war starts at midnight» que enfaticamente repete o general Candy (o nome ideal para o nosso Blimp), Spud, o representante do novo exército responde que o inimigo não fica à espera. Se ele antecipou o ataque em relação à hora marcada para o início dos exercícios fê-lo como os japoneses fizeram em Pearl Harbor. Aliás o confronto entre Spud e Candy nos banhos turcos é extremamente significativo das diferentes concepções que tinham da guerra e da forma de a levar a cabo. De qualquer modo, Powell e Pressburger tiveram o cuidado em não fazer o que se poderiam considerar referências ao estado do exército então, fazendo de Candy um general aposentado em 1935 chamado ao serviço no início da guerra. Isso não impediu, porém, os problemas que enfrentou logo a partir da fase de rodagem. O Secretário de Estado para a Guerra, James Grigg escrevia numa nota a Churchill que o filme devia ser interrompido porque «it focuses attention on an imaginary type of Army officer who has become an object of ridicule to the general public». Ainda antes de estar pronto e de ser visto, Churchill acusou-o de ser «propaganda detrimental to the morale of the Army».O filme já tivera alguns problemas na fase de pré-produção tendo-lhe sido recusado o apoio logístico militar, o que é visível nas sequências da grande guerra que Powell e Pressburger elidem magistralmente com alguns planos de trincheira, cenários pintados e uma magistral contra-luz no último plano que marca o fim da guerra. Apesar de ter sido autorizado e ter usufruído de uma publicidade involuntária que lhe foi favorável com os problemas que teve, “The Life and Death of Colonel Blimp” não foi o êxito esperado e a sua apresentação nos Estados Unidos far-se-ia numa cópia muito amputada. Que nos reserva hoje, “The Life and Death of Colonel Blimp”, que era, de toda a sua carreira, o filme favorito de Emeric Pressburger? Pois, um nunca acabar de surpresas que o transformam numa das obras mais admiráveis do cinema britânico, e não me refiro exclusivamente à década de quarenta. Do genérico que reproduz a criação de David Low, ao plano final em que o velho Candy ao fazer continência ao exército novo que desfila é o eco simpático e terno de quem já não tem nada a ver com aquele mundo e assume a sua posição com dignidade. Àquele genérico vem de imediato contrapor-se o movimento irresistível que nos leva por um alucinante travelling ao longo das estradas acompanhando os motociclistas, grupo que se vai cindindo em cada encruzilhada provocando uma vertigem idêntica à de uma montanha russa. Os opostos estão apresentados: a placidez e a rotina contra a velocidade e o improviso que os novos vão revelar para alcançarem a vitória nas manobras. A partir de então os autores do filme podem apresentar as origens de Blimp: o flash-back faz-se num dos mais belos raccords que alguma vez se viu no cinema, dentro do mesmo e único plano: Candy e Stub em luta na piscina, o som que a pouco e pouco diminui enquanto a câmara avança solenemente pelo espaço rectangular da piscina e das águas agora pacíficas de onde emerge uma cabeça coberta de cabelo negro: Candy em jovem. Suspendam o fôlego, saboreiem religiosamente este momento admirável onde a água é azul, como só Spielberg nos voltará a dar quase quarenta anos depois, apenas um dos momentos prodigiosos da paleta cromática de George Perinal, aqui coadjuvado por Jack Cardiff. Ele é apenas um entre muitos outros, cada qual de cortar a respiração: toda a representação do duelo, por exemplo, apresentado com todos os rituais que o regulamento impõe (o delicioso encontro das testemunhas destinado a organizar os preparativos), e em que Candy vai encontrar Theo, oficial prussiano que dá a Anton Wallbrook uma das mais prodigiosas criações. Como nas outras sequências de acção, a Powell só interessa praticamente o que antecede o seu eclodir: um belíssimo movimento de grua deixa os adversários no começo da troca de golpes, para se encadear com outro que vai ao telhado do edifício em maqueta a um plano de conjunto. O movimento e o próprio enquadramento não deixa de evocar outro momento célebre na história do cinema: o que abandona a segunda mulher de Kane após as entrevistas com o jornalista no primeiro filme de Welles. Se Powell não recusa a sua simpatia a um representante de um romantismo aventureiro (o gesto impulsivo de ir a Berlim; a fabulosa conversa sobre Sherlock Holmes e o "Cão dos Baskervilles"; a genial sequência da cervejaria alemã com a música duma opereta em voga para provocar o adversário), a crítica que faz ao seu comportamento é lúcida e marcada pela ironia. Os raccords temporais com que se ilustra em breves planos muitos anos da vida de Candy são, neste último caso, dos mais belos que se viram: as imagens com os troféus que se vão acumulando acompanhadas por uma música tonitruante que culmina num momento decisivo: o capacete do huno no final da Grande Guerra; ou aquele que ilustra a sua vida de casado através das fotos de viagem terminando com uma página do álbum. Para além das circunstâncias do tempo, e das questões que à sua volta se levantaram, “The Life and Death of Colonel Blimp”, surge hoje como uma das grandes obras primas da história do cinema.

 Manuel Cintra Ferreira

Folha da Cinemateca Portuguesa

 


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