Título em
Portugal: Um Cão Andaluz
Realizador: Luis Buñuel
Ano: 1929
País: França
Argumentista:
Luis Buñuel e Salvador Dali
Fotografia:
Albert Duverger
Elenco
principal: Pierre Batcheff, Simone Mareuil
Duração: 21 minutos
Luis Bunuel afirmou
que se lhe dissessem que tinha vinte anos de vida e lhe perguntassem como
queria vivê-los, a sua resposta seria: "Dêem-me duas horas por dia de actividade
e eu levarei as outras 22 a sonhar -- desde que eu me lembre dos sonhos."
Os sonhos foram o alimento dos seus filmes e, desde os seus primeiros dias como
surrealista em Paris até aos seus triunfos no final dos anos setenta, a lógica
dos sonhos sempre foi susceptível de interromper o realismo dos seus filmes.
Essa liberdade conferiu-lhes uma qualidade tão distinta que, tal como os de
Alfred Hitchcock ou de Federico Fellini, podiam ser identificados quase
imediatamente.
O seu
primeiro filme, escrito em colaboração com o conhecido artista surrealista
Salvador Dali, foi “Un Chien Andalou” (1929). Nem o título, nem qualquer outra
coisa no filme pretendiam fazer sentido. E continua a ser o curta-metragem mais
famoso já realizado, e qualquer pessoa meio interessada em cinema o vê mais
cedo ou mais tarde, geralmente várias vezes.
Foi feito na
esperança de administrar um choque revolucionário na sociedade. “Pela primeira
vez na história do cinema”, escreveu o crítico Ado Kyrou, “um director tenta
não agradar, mas sim alienar quase todos os potenciais espectadores”. Isto foi na
altura, e ainda é agora. Hoje, as suas técnicas foram tão completamente
absorvidas até mesmo pela corrente dominante que o seu valor de choque está
diluído - excepto na famosa cena do corte do globo ocular, ou talvez na cena do
homem a arrastar o piano de cauda com os padres e o burros mortos em cima dele.
. . .
É útil
lembrar que "Un Chien Andalou" não foi feito pelos Buñuel e Dali que
vemos já velhos acabados em muitas fotografias, mas por jovens teimosos na casa
dos vinte anos, intoxicados pela liberdade de Paris durante a década da Geração
Perdida. Há uma ligação subterrânea entre os surrealistas e os Sex Pistols, entre
Buñuel e David Lynch, entre Dali e Damien Hirst (o artista que exibiu meio
cordeiro num cubo de plástico). "Embora os surrealistas não se considerassem
terroristas", escreveu Buñuel na sua autobiografia, "eles lutavam
constantemente contra uma sociedade que desprezavam. A sua principal arma não
eram as armas, é claro; era o escândalo."
O escândalo
de "Un Chien Andalou" tornou-se uma das lendas dos surrealistas. Na
primeira exibição, afirmou Buñuel, ele ficou atrás da tela com os bolsos cheios
de pedras, “para atirar ao público em caso de fiasco”. Os outros não se lembram
das pedras, mas as memórias de Buñuel às vezes são uma intensa reescrita da vida.
Quando ele e os seus amigos assistiram pela primeira vez ao revolucionário
filme soviético de Sergei soviético de soviético "O Encouraçado Potemkin",
de Sergei soviético, de Sergei Eisenstein, “O Couraçado Potemkine”, ele afirmou
que, quando deixaram o cinema, imediatamente começaram a arrancar as pedras da rua para
“Un Chien Andalou” foi um dos primeiros filmes
feitos artesanalmente – filmes realizados pelos seus criadores com um estreito orçamento,
sem financiamento de estúdio. É um antepassado das obras de John Cassavetes e
dos filmes digitais independentes de hoje. Buñuel (1900-1983), um espanhol
atraído por Paris e por sonhos vagos de se tornar um artista, encontrou emprego
na indústria cinematográfica, aprendeu um ofício, donde foi demitido por
insultar o grande director Abel Gance e caiu na órbita dos surrealistas.
Ele foi
passar alguns dias a casa de Dali, um companheiro espanhol, e contou-lhe um
sonho que tivera, em que uma nuvem cortava a lua ao meio, "como uma lâmina
de barbear a cortar um olho". Dali respondeu-lhe com um sonho seu sobre
uma mão cheia de formigas. “E se começássemos assim e fizéssemos um filme?”
perguntou Buñuel, e eles concordaram. Eles escreveram o guião juntos e Buñuel
dirigiu, levando apenas alguns dias e pedindo emprestado o dinheiro para o orçamento
à sua mãe.
Ao colaborarem
na concepção do cenário, o método deles consistiu em lançar imagens ou
acontecimentos chocantes uns contra os outros. Antes, ambos concordaram num
princípio para a realização do filme. “Nenhuma ideia ou imagem que pudesse
prestar-se a uma explicação racional de qualquer tipo seria incluida”, lembrou
Buñuel. “Tivemos que abrir todas as portas ao irracional e manter apenas as
imagens que nos surpreendessem, sem tentar explicar o porquê.”
À imagem da
lua seguiu-se a imagem de um homem com uma navalha (Buñuel) cortando o olho de
uma mulher (na verdade, o olho de um bezerro - embora a lenda o tenha
transformado no de um porco). A mão cheia de formigas foi seguida por um
travesti de bicicleta, uma axila peluda, uma mão decepada na calçada, um pedaço
de pau batendo na mão, uma agressão sexual em estilo de filme mudo, uma mulher a
proteger-se com uma raquete de ténis, o possível
abusador puxando o piano com a sua carga bizarra, duas estátuas aparentemente
vivas na areia de torso para cima, e assim por diante. Descrever o filme é
simplesmente listar as suas cenas, já que não há um enredo que as ligue.
Mesmo assim,
nós tentamos ligá-las. Inúmeros analistas aplicaram fórmulas freudianas,
marxistas e junguianas ao filme. Buñuel riu de todos. Por isso, olhar para o
filme é aprender o quanto fomos ensinados por outros filmes a encontrar
significado mesmo quando ele não existe.
Buñuel disse
a uma actriz para olhar pela janela "qualquer coisa - um desfile militar,
talvez". Na verdade, a próxima cena mostra o travesti a cair morto da
bicicleta. Naturalmente, presumimos que a actriz está a olhar para o corpo na
calçada. É estranho a tudo o que sabemos sobre os filmes concluir que a cena da
janela e a cena da calçada simplesmente acontecem uma após a outra, sem
qualquer conexão. Da mesma forma, assumimos que o homem puxa os pianos (com os
padres, burros mortos, etc.) pela sala porque o seu avanço sexual foi rejeitado
pela mulher com a raquete de ténis. Mas Buñuel pode argumentar que os
acontecimentos não têm qualquer ligação - o avanço do homem é rejeitado e
depois, numa acção absolutamente não relacionada, ele agarra nas cordas e
começa a puxar os pianos.
Ao olhar
para “Un Chien Andalou”, é vantajoso olharmos com igual atenção para nós mesmos
enquanto assistimos ao filme. Assumimos que é a “história” das pessoas no filme
– estes homens, estas mulheres, estes acontecimentos. Mas e se as pessoas não
forem protagonistas, mas apenas modelos – simplesmente actores contratados para
representar pessoas que realizam determinadas acções? Sabemos que o carro no
salão do automóvel não pertence (e não foi projectado ou construído por) à
modelo de fato de banho que o aponta. Buñuel pode argumentar que os seus atores
têm uma relação semelhante com os acontecimentos que os cercam.
Luis Bunuel
(1900-1983) realizou outro filme surrealista, "L'Age d'Or" (1930),
que foi acusado de sacrilégio e suprimido durante muitos anos. Ele já tinha
sido trabalhador da MGM, supervisionando as versões para espanhol de filmes de
Hollywood. Fez diversos filmes no México, alguns deles muito valorizados, como
"Os Esquecidos" e "Ensayo de un crimen”. Aos 61 anos teve
sucesso mundial com "Viridiana", com a cena chocante inspirada na
Última Ceia, e durante os dezasete anos seguintes, um período de inspirada produtividade,
produziu filmes surpreendentes uns a seguir aos outros, como "O Anjo
Exterminador", "Diário de uma Criada de Quarto", "Belle de
Jour, " "Esse Obscuro Objecto de Desejo", "O Charme Discreto
da Burguesia", "Tristana" e "O Fantasma da Liberdade".
Roger Ebert
(Texto
adapatado)
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