quinta-feira, 28 de março de 2024

Un chien andalou de Luis Buñuel

 


Título em Portugal: Um Cão Andaluz

Realizador: Luis Buñuel

Ano: 1929

País: França

Argumentista: Luis Buñuel e Salvador Dali

Fotografia: Albert Duverger

Elenco principal: Pierre Batcheff, Simone Mareuil

Duração:  21 minutos

 

Luis Bunuel afirmou que se lhe dissessem que tinha vinte anos de vida e lhe perguntassem como queria vivê-los, a sua resposta seria: "Dêem-me duas horas por dia de actividade e eu levarei as outras 22 a sonhar -- desde que eu me lembre dos sonhos." Os sonhos foram o alimento dos seus filmes e, desde os seus primeiros dias como surrealista em Paris até aos seus triunfos no final dos anos setenta, a lógica dos sonhos sempre foi susceptível de interromper o realismo dos seus filmes. Essa liberdade conferiu-lhes uma qualidade tão distinta que, tal como os de Alfred Hitchcock ou de Federico Fellini, podiam ser identificados quase imediatamente.

O seu primeiro filme, escrito em colaboração com o conhecido artista surrealista Salvador Dali, foi “Un Chien Andalou” (1929). Nem o título, nem qualquer outra coisa no filme pretendiam fazer sentido. E continua a ser o curta-metragem mais famoso já realizado, e qualquer pessoa meio interessada em cinema o vê mais cedo ou mais tarde, geralmente várias vezes.

Foi feito na esperança de administrar um choque revolucionário na sociedade. “Pela primeira vez na história do cinema”, escreveu o crítico Ado Kyrou, “um director tenta não agradar, mas sim alienar quase todos os potenciais espectadores”. Isto foi na altura, e ainda é agora. Hoje, as suas técnicas foram tão completamente absorvidas até mesmo pela corrente dominante que o seu valor de choque está diluído - excepto na famosa cena do corte do globo ocular, ou talvez na cena do homem a arrastar o piano de cauda com os padres e o burros mortos em cima dele. . . .

É útil lembrar que "Un Chien Andalou" não foi feito pelos Buñuel e Dali que vemos já velhos acabados em muitas fotografias, mas por jovens teimosos na casa dos vinte anos, intoxicados pela liberdade de Paris durante a década da Geração Perdida. Há uma ligação subterrânea entre os surrealistas e os Sex Pistols, entre Buñuel e David Lynch, entre Dali e Damien Hirst (o artista que exibiu meio cordeiro num cubo de plástico). "Embora os surrealistas não se considerassem terroristas", escreveu Buñuel na sua autobiografia, "eles lutavam constantemente contra uma sociedade que desprezavam. A sua principal arma não eram as armas, é claro; era o escândalo."

O escândalo de "Un Chien Andalou" tornou-se uma das lendas dos surrealistas. Na primeira exibição, afirmou Buñuel, ele ficou atrás da tela com os bolsos cheios de pedras, “para atirar ao público em caso de fiasco”. Os outros não se lembram das pedras, mas as memórias de Buñuel às vezes são uma intensa reescrita da vida. Quando ele e os seus amigos assistiram pela primeira vez ao revolucionário filme soviético de Sergei  soviético de  soviético "O Encouraçado Potemkin", de Sergei soviético, de Sergei Eisenstein, “O Couraçado Potemkine”, ele afirmou que, quando deixaram o cinema, imediatamente começaram  a arrancar as pedras da rua para

 “Un Chien Andalou” foi um dos primeiros filmes feitos artesanalmente – filmes realizados pelos seus criadores com um estreito orçamento, sem financiamento de estúdio. É um antepassado das obras de John Cassavetes e dos filmes digitais independentes de hoje. Buñuel (1900-1983), um espanhol atraído por Paris e por sonhos vagos de se tornar um artista, encontrou emprego na indústria cinematográfica, aprendeu um ofício, donde foi demitido por insultar o grande director Abel Gance e caiu na órbita dos surrealistas.

Ele foi passar alguns dias a casa de Dali, um companheiro espanhol, e contou-lhe um sonho que tivera, em que uma nuvem cortava a lua ao meio, "como uma lâmina de barbear a cortar um olho". Dali respondeu-lhe com um sonho seu sobre uma mão cheia de formigas. “E se começássemos assim e fizéssemos um filme?” perguntou Buñuel, e eles concordaram. Eles escreveram o guião juntos e Buñuel dirigiu, levando apenas alguns dias e pedindo emprestado o dinheiro para o orçamento à sua mãe.

Ao colaborarem na concepção do cenário, o método deles consistiu em lançar imagens ou acontecimentos chocantes uns contra os outros. Antes, ambos concordaram num princípio para a realização do filme. “Nenhuma ideia ou imagem que pudesse prestar-se a uma explicação racional de qualquer tipo seria incluida”, lembrou Buñuel. “Tivemos que abrir todas as portas ao irracional e manter apenas as imagens que nos surpreendessem, sem tentar explicar o porquê.”

À imagem da lua seguiu-se a imagem de um homem com uma navalha (Buñuel) cortando o olho de uma mulher (na verdade, o olho de um bezerro - embora a lenda o tenha transformado no de um porco). A mão cheia de formigas foi seguida por um travesti de bicicleta, uma axila peluda, uma mão decepada na calçada, um pedaço de pau batendo na mão, uma agressão sexual em estilo de filme mudo, uma mulher a  proteger-se com uma raquete de ténis, o possível abusador puxando o piano com a sua carga bizarra, duas estátuas aparentemente vivas na areia de torso para cima, e assim por diante. Descrever o filme é simplesmente listar as suas cenas, já que não há um enredo que as ligue.

Mesmo assim, nós tentamos ligá-las. Inúmeros analistas aplicaram fórmulas freudianas, marxistas e junguianas ao filme. Buñuel riu de todos. Por isso, olhar para o filme é aprender o quanto fomos ensinados por outros filmes a encontrar significado mesmo quando ele não existe.

Buñuel disse a uma actriz para olhar pela janela "qualquer coisa - um desfile militar, talvez". Na verdade, a próxima cena mostra o travesti a cair morto da bicicleta. Naturalmente, presumimos que a actriz está a olhar para o corpo na calçada. É estranho a tudo o que sabemos sobre os filmes concluir que a cena da janela e a cena da calçada simplesmente acontecem uma após a outra, sem qualquer conexão. Da mesma forma, assumimos que o homem puxa os pianos (com os padres, burros mortos, etc.) pela sala porque o seu avanço sexual foi rejeitado pela mulher com a raquete de ténis. Mas Buñuel pode argumentar que os acontecimentos não têm qualquer ligação - o avanço do homem é rejeitado e depois, numa acção absolutamente não relacionada, ele agarra nas cordas e começa a puxar os pianos.

Ao olhar para “Un Chien Andalou”, é vantajoso olharmos com igual atenção para nós mesmos enquanto assistimos ao filme. Assumimos que é a “história” das pessoas no filme – estes homens, estas mulheres, estes acontecimentos. Mas e se as pessoas não forem protagonistas, mas apenas modelos – simplesmente actores contratados para representar pessoas que realizam determinadas acções? Sabemos que o carro no salão do automóvel não pertence (e não foi projectado ou construído por) à modelo de fato de banho que o aponta. Buñuel pode argumentar que os seus atores têm uma relação semelhante com os acontecimentos que os cercam.

Luis Bunuel (1900-1983) realizou outro filme surrealista, "L'Age d'Or" (1930), que foi acusado de sacrilégio e suprimido durante muitos anos. Ele já tinha sido trabalhador da MGM, supervisionando as versões para espanhol de filmes de Hollywood. Fez diversos filmes no México, alguns deles muito valorizados, como "Os Esquecidos" e "Ensayo de un crimen”. Aos 61 anos teve sucesso mundial com "Viridiana", com a cena chocante inspirada na Última Ceia, e durante os dezasete anos seguintes, um período de inspirada produtividade, produziu filmes surpreendentes uns a seguir aos outros, como "O Anjo Exterminador", "Diário de uma Criada de Quarto", "Belle de Jour, " "Esse Obscuro Objecto de Desejo", "O Charme Discreto da Burguesia", "Tristana" e "O Fantasma da Liberdade".

Roger Ebert

(Texto adapatado)


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