Título em
Portugal: La Jetée
Realizador: Chris Marker
Ano: 1962
País: França
Argumentista:
Chris Marker
Fotografia:
Chris Marker e Jean-César Chiabaut
Elenco
principal: Jean Négroni, Davos Hanich, Hélène Châtelain, Jacques Ledoux
Duração: 28
minutos
Quando pela primeira vez assisti ao filme “La Jetée”
(1962), perdi algumas imagens e passagens da fala pausada e tranquila do
narrador. A despeito da minha pouca atenção, a curta-metragem realizada pelo
cineasta francês Chris Marker deixou-me a impressão de que acabara de assistir
a uma dessas obras que nos arrematam pela sua atmosfera.
A história de um homem marcado por uma imagem da infância. O filme todo está
envolvido por algum elemento etéreo, um leitmotiv desprendido, mas determinante,
condutor. Esse motivo, esse ritornelo, essa frase musical recursiva e
desconcertante é a memória. A ficção de Marker - Paris destruída por uma
hecatombe, as experiências científicas, a viagem no tempo - é sobrepujada pelo
riff da memória.
Nada distingue as lembranças de outros momentos, só mais tarde eles se fazem
reconhecer pelas suas cicatrizes. “La Jetée” é uma ficção científica narrada
por meio de fotografias. Talvez isso explique, para além do seu belo texto,
porque é que a memória se torna tão obsessiva. Um dia feliz, mas diferente. Um
rosto de felicidade, mas diferente. O ali-esteve dos fotogramas paralisados
remete-me irremediavelmente para a diferenciação que a lembrança ou a projecção
produzem. Acompanho a personagem em sua viagem, mas sou remetido a outros
caminhos. Outros testemunhos auto-diferenciáveis, como o tempo.
Ela compreendeu que não se poderia escapar do tempo. E que esse momento que o
obcecara era o momento da própria morte. A poética de Marker lembra-me que o
cinema é memória, lembra-me também que o movimento está para além da acção.
Algumas obras colocaram o cinema a servir uma tese, outras fizeram teses para servir
o cinema. “La Jetée” é seguramente deste segundo grupo porque lança muitas questões
utilizando os elementos da sua própria expressão.
Essa imagem, única imagem de paz a chegar ao tempo de guerra. Baudrillard, que
também é fotógrafo, afirma que o fascínio de uma fotografia, o elemento mágico
de uma fotografia, é que ela consegue preservar o não-ser das coisas, a
ausência das coisas, a morte do objecto. Expulso a morte - e elimino a magia -
de uma obra quando a interpreto, quando a saturo com qualquer espécie de
significação e interpretação, transformando-a refém de seu próprio conteúdo. “La
Jetée” - suas imagens, sua melodia, seu ritmo - não está para ser decifrado,
mas vivido como uma experiência de tempo; como a audição de uma frase que me
traz de volta notas e ritmos conhecidos, mas transformados, contaminados de um
novo presente; como um passeio pela minha memória.
Texto (adaptado) de Paulo Carvalho
Blog Luzia – Crítica de Cinema
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