quarta-feira, 3 de abril de 2024

La Jetée de Chris Marker


 

Título em Portugal: La Jetée

Realizador: Chris Marker

Ano: 1962

País: França

Argumentista: Chris Marker

Fotografia: Chris Marker e Jean-César Chiabaut

Elenco principal: Jean Négroni, Davos Hanich, Hélène Châtelain, Jacques Ledoux

Duração: 28 minutos

Quando pela primeira vez assisti ao filme “La Jetée” (1962), perdi algumas imagens e passagens da fala pausada e tranquila do narrador. A despeito da minha pouca atenção, a curta-metragem realizada pelo cineasta francês Chris Marker deixou-me a impressão de que acabara de assistir a uma dessas obras que nos arrematam pela sua atmosfera.
A história de um homem marcado por uma imagem da infância. O filme todo está envolvido por algum elemento etéreo, um leitmotiv desprendido, mas determinante, condutor. Esse motivo, esse ritornelo, essa frase musical recursiva e desconcertante é a memória. A ficção de Marker - Paris destruída por uma hecatombe, as experiências científicas, a viagem no tempo - é sobrepujada pelo riff da memória.
Nada distingue as lembranças de outros momentos, só mais tarde eles se fazem reconhecer pelas suas cicatrizes. “La Jetée” é uma ficção científica narrada por meio de fotografias. Talvez isso explique, para além do seu belo texto, porque é que a memória se torna tão obsessiva. Um dia feliz, mas diferente. Um rosto de felicidade, mas diferente. O ali-esteve dos fotogramas paralisados remete-me irremediavelmente para a diferenciação que a lembrança ou a projecção produzem. Acompanho a personagem em sua viagem, mas sou remetido a outros caminhos. Outros testemunhos auto-diferenciáveis, como o tempo.
Ela compreendeu que não se poderia escapar do tempo. E que esse momento que o obcecara era o momento da própria morte. A poética de Marker lembra-me que o cinema é memória, lembra-me também que o movimento está para além da acção. Algumas obras colocaram o cinema a servir uma tese, outras fizeram teses para servir o cinema. “La Jetée” é seguramente deste segundo grupo porque lança muitas questões utilizando os elementos da sua própria expressão.
Essa imagem, única imagem de paz a chegar ao tempo de guerra. Baudrillard, que também é fotógrafo, afirma que o fascínio de uma fotografia, o elemento mágico de uma fotografia, é que ela consegue preservar o não-ser das coisas, a ausência das coisas, a morte do objecto. Expulso a morte - e elimino a magia - de uma obra quando a interpreto, quando a saturo com qualquer espécie de significação e interpretação, transformando-a refém de seu próprio conteúdo. “La Jetée” - suas imagens, sua melodia, seu ritmo - não está para ser decifrado, mas vivido como uma experiência de tempo; como a audição de uma frase que me traz de volta notas e ritmos conhecidos, mas transformados, contaminados de um novo presente; como um passeio pela minha memória.

Texto (adaptado) de Paulo Carvalho

 

Blog  Luzia – Crítica de Cinema

Sem comentários:

Enviar um comentário

Tabu de F. W. Murnau

Título em Portugal: Tabu Realizador: F. W. Murnau Ano: 1931 País: Estados Unidos Argumentista: F. W. Murnau e Robert J. Flaherty Fotografia...