Título em
Portugal: O Anjo Azul
Realizador: Josef von Sternberg
Ano: 1930
País:
Alemanha
Argumentista:
Carl Zuckmayer, Karl Vollmöller, Robert Liebmann e Josef von Sternberg
baseado no romance “Professor Unrat”
de Heinrich Mann (a última edição portuguesa é da E-primatur, de 2023, com
tradução de Bruno C. Duarte)
Fotografia:
Günther Rittau
Elenco
principal: Marlene Dietrich, Emil Jannings, Kurt Jerron, Hans Albers
Duração: 1
hora e 48 minutos
Um dos
aspectos menos apreciados das novas tecnologias cinematográficas é que elas
muitas vezes resolvem problemas criando um novo conjunto de complicações e
desafios. Os primeiros filmes sonoros dão muitos exemplos desse tipo, mesmo
aqueles que se tornaram bem-sucedidos e icónicos, como “O Anjo Azul”, melodrama
alemão de 1930, dirigido por Josef von Sternberg.
O filme baseia-se
em “Professor Unrat”, romance de Heinrich Mann. A trama passa-se numa cidade
portuária sem nome no norte da Alemanha e o personagem principal é o professor
Immanuel Rath (interpretado por Emil Jannings), professor que se considera um
dos membros mais respeitados da comunidade. Rath, que mora sozinho, na verdade
não é apreciado por ninguém, especialmente pelos seus alunos, que detestam sua
forma autoritária de gerir a sala de aula. Ao descobrir que alguns dos alunos
distribuem fotografias provocadoras de Lola Lola (interpretada por Marlen
Dietrich), cantora principal do decadente cabaret “The Blue Angel”, ele
convence-se de que alguns deles frequentam aquele lugar. Ele vai até lá para
confrontá-los, mas acaba no camarim de Lola, onde não demora muito por se
encantar e seduzir pela bela jovem. Quando eles passam a noite juntos, ele
falta às aulas e perde o emprego. Em vez disso, ele casa-se com Lola e, depois
de alguns anos, o seu dinheiro acaba-se e ele é forçado a aceitar empregos
humilhantes como membro da trupe itinerante de Lola. Tudo culmina quando ele é
forçado a actuar como palhaço na sua cidade natal, enquanto Lola nos bastidores
não esconde suas intenções adúlteras com o jovem e arrojado homem forte Mazeppa
(interpretado por Hans Albers).
“O Anjo Azul” foi o primeiro filme totalmente
sonoro na carreira do cineasta austríaco Josef von Sternberg, que já havia granjeado
nome com uma série de melodramas e filmes de género visualmente impressionantes
na era muda de Hollywood. Foi também uma das produções mais caras e ambiciosas
da UFA, estúdio que dominou a indústria cinematográfica da Alemanha entre as guerras.
O produtor Erich Pommer viu a nova tecnologia de som como uma oportunidade de
proporcionar ao público algo que eles não poderiam ter experimentado antes na
tela – música e conversação. O guião, em que grandes trechos da trama acontecem
no cabaret, serviu idealmente este propósito e permitiu que o filme
apresentasse canções que se tornariam grandes sucessos nas décadas seguintes.
Eles incluem “Ich bin die Fesche Lolla” e “Ich bin von Köpf bis Fuss auf Liebe
engestellt”, este último usado como tema principal do filme e mais conhecido na
sua edição inglesa “Falling in Love Again (Can't Help It)” . Todas essas
músicas foram interpretadas por Marlene Dietrich, uma artista relativamente
desconhecida de Berlim. Dietrich tem um desempenho maravilhoso no filme, embora
algumas de suas performances sejam afectadas pela qualidade ainda relativamente
baixa das gravações sonoras, significativamente inferiores às versões das
mesmas músicas gravadas por Dietrich posteriormente em vinil.
Mas foi a
presença icónica de Dietrich na tela como femme fatale “vampira” que fez deste
filme um enorme sucesso e instantaneamente a transformou numa grande estrela
internacional. O seu traje, embora relativamente reduzido, é bastante
inofensivo para os padrões da Alemanha de Weimar; mas Dietrich, mesmo assim,
consegue exalar erotismo e seduzir o público com a mesma facilidade com que a sua
personagem conquista um professor conservador de meia-idade. Dietrich
desempenha esse papel com bastante naturalidade. Lola não é uma sedutora calculista;
ela conhece, seduz e casa-se com o professor por impulso, assim como o trai da
mesma forma. Dietrich tem o mesmo efeito sobre intelectuais de classe média
aparentemente respeitáveis e sobre o rude capitão do mar (interpretado por
Wilhelm Diegelmann) como com os jovens estudantes excitados de Rath. E ela tem
plena consciência do efeito que tem sobre os homens, ao admiti-lo nas fatalistas
letras das suas músicas.
Emil
Jannings, actor suíço que interpreta o Professor Rath, era na época uma estrela
de produção muito maior que Dietrich, com uma carreira de sucesso em Hollywood,
onde obteve o primeiro Oscar de Melhor Actor. Ele tem uma actuação muito forte
em “O Anjo Azul”, criando uma personagem que o público pode desprezar,
ridicularizar e sentir pena no final melodramático do filme. Por estranha
ironia, o seu destino na vida real lembra de alguma forma o destino do
Professor Rath. Ao contrário de Dietrich, que imediatamente conseguiu obter um
contrato com a Paramount, foi para Hollywood e se tornou uma estrela global indiscutível,
ele decidiu ficar na Alemanha e mais tarde apoiou o regime nazi e os seus
esforços de propaganda na Segunda Guerra Mundial, terminando a sua vida na
infâmia. Este destino foi, no entanto, muito mais gentil do que aquele que sofreu
outro membro do elenco, Kurt Gerron, actor que interpreta Kiepert, mágico
intimidante e manipulador e líder da trupe de Lola. Catorze anos depois deste
papel, Gerron, um judeu austríaco, foi assassinado pelos nazis durante o
Holocausto da forma mais cínica e dúbia, depois de ter sido coagido a ajudar na
sua propaganda.
Quem
assistir a “O Anjo Azul” também notará que o filme, apesar de ser “talkie”, na
verdade apresenta relativamente poucos diálogos. Isto deve-se em parte a certos
problemas práticos trazidos pela tecnologia de som. Ao contrário dos filmes
mudos, que poderiam facilmente ser traduzidos para línguas estrangeiras apenas
com a inserção de diferentes intertítulos, os filmes sonoros exigiam novas
tecnologias. A dublagem ainda era considerada muito complicada e cara, assim
como as legendas. Em vez disso, uma solução um pouco mais inoperente para o
problema (ainda praticada por várias indústrias cinematográficas indianas) foi
encontrada ao fazer versões diferentes do mesmo filme em idiomas diferentes. “O
Anjo Azul”, além do original em alemão, teve também outra versão em inglês com
mesmo enredo, director e elenco, que foi, com grande sucesso, distribuída nos
EUA e noutros países anglófonos. Esta versão é, no entanto, considerada
inferior à versão em língua alemã, porque os actores, incluindo um Jannings
mais experiente, ainda tiveram que lutar com sotaques marcantes. Apesar destas
dificuldades, “O Anjo Azul” tornou-se um grande sucesso internacional e
garantiu o seu lugar na história do cinema. Von Sternberg e Dietrich
continuaram a sua cooperação em Hollywood, de onde resultaram mais cinco
filmes. “O Anjo Azul” foi posteriormente tema de vários remakes, incluindo uma
reinterpretação bastante livre em “Lola”, drama de 1981 de Rainer Werner
Fassbinder, estrelado por Barbara Sukowa. A actuação de Marlene Dietrich também
inspirou muitos números musicais memoráveis, como os de Helmut Berger em “Os
Malditos”, de Visconti, Madeline Kahn em “Balbúrdia no Oeste” (Mel Brooks, 1974)
ou de Carice Van Houten em “Livro Negro”, de Verhoeven.
Texto
(adaptado) de Drax
Blog Peakd
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